O 25 de Abril da Pipocas há 31 anos atrás
Não posso deixar de assinalar o aniversário do 25 de Abril. Sem querer colar-me à história recente tal como vem nos livros, ou entrar em questões mais eruditas, que isso deixo para os entendidos, prefiro referir a data tal qual me recordo.
A minha família vivia fora de portas, que é como quem diz logo depois das portas de Lisboa (Damaia, Amadora, Queluz, Pontinha, por exemplo, já eram fora de portas). Cheios de receio de que a situação se tornasse violenta, os meus pais decidiram ir para Lisboa, para ao pé dos meus avós. Sem sucesso, já que as estradas estavam barradas.
A confusão e a desorientação das pessoas era mais do que muita. O receio, a ansiedade e expectativa que pairavam no ar criavam um ambiente, no mínimo estranho, aos olhos de uma criança.
Na Pontinha, junto ao quartel, os tanques acumulavam-se e os militares (imensos), de armas na mão e com um ar ainda mais nervoso do que o dos civis, iam dizendo a quem se chegava que a revolução tinha rebentado.
Nervosismo no ar.
Muito pequenitos, eu e o meu irmão agarrados cada um ao pai e à mãe, lá andamos colados às pernas deles, a espreitar as máquinas de guerra, com um misto de admiração e medo, a aguardar pacientemente que as barreiras fossem levantadas.
Acabámos por desistir e voltar para trás… sem conseguir saber nada do resto da família. E sem estar no centro dos acontecimentos.
Os meus avós paternos, muito a medo, diziam entredentes que se ia passar alguma coisa. Recordo-me que costumavam ouvir “telefonia” escondidos na despensa, mesmo por baixo das escadas que ligavam o rés-do-chão ao primeiro andar. Como se a despensa fosse o-segredo-dos-segredos e o escudo virtual contra os pides que viviam lá no bairro.
E ai de nós, os pequenos, se andássemos no quintal a brincar à apanhada e a gritar em plenos pulmões “Camões, Camões, perdeu o olho por dois tostões!”. O certo é que a nossa mãe corria atrás de nós e arrastava-nos para dentro de casa, a pedir por favor que nos calassemos. Vá-se lá saber porquê!
Na verdade, deu-se a revolução dos cravos. Uma espécie de grito do Ipiranga para os amordaçados que eramos quase todos. E assistimos a mudanças radicais nos hábitos do dia-a-dia.
Comecei a ver as pessoas com semblantes menos carregados e sem estarem sempre a espreitar, desconfiadas, por cima dos ombros. O meu tio, comunista ferrenho, passou a discutir as suas opiniões livremente e em público. Misteriosamente os retratos salazaristas desapareceram das escolas. E, claro está, deixei de me preocupar em saber de cor e salteado as estações dos caminhos de ferro nas colónias ultramarinas. Agora até já podia ir brincar para a rua com os meus amigos e correr às voltas das caixas com “toneladas” de coisas diferentes que os meus tios do Canadá enviavam.
Para miúdos e graúdos era a novidade e alegria total.
9 Comments:
Belo texto! Os últimos anos dos meus 27 feitos há quase um ano têm sido - confesso! - bastante enriquecedores (companhias, amores, desamores & afins). Todavia, procurei sempre em vão uma causa forte e devida para poder canalizar todas as minhas forças e crenças. No findar do meu percurso enquanto matéria orgânica, sei que não haverá outro remédio do que aceitar tudo aquilo que fiz. E espero que nesse momento, o qual não me assusta especialmente, tenha o consolo de ter feito parte de um grande movimento; movimento esse que fique escrito na história; movimento que dê sentido a uma vida sem movimento da razão!
é bom ter uma noção de como as "pessoas comuns" viveram o 25 de Abril. feliz ou infelizmente, sou da geração pós-25 de Abril (não tinha sequer chegado à fase de projecto na cabeça dos meus pais, se é que houve mesmo um projecto, mas isso é outra história...). felizmente, porque não nasci num país vergado pela ditadura. infelizmente, porque nunca senti na pele o que é não ter a liberdade para expressar as minhas opiniões e, como tal, nunca dei o devido valor à revolução e às suas consequências. verdade seja dita que o sistema educativo não trata muito bem a história recente, o que sempre fez com que durante muito tempo não fizesse ideia de como as coisas realmente se passaram.
tal como o zorze, também padeço do mesmo mal de nunca ter tido uma grande "causa" que me direccionasse os passos. talvez seja por isso que me meti em ciência, sempre insatisfeito, sempre a inventar novas questões e a tentar respondê-las...
Quando se deu o 25 de Abril era "picurruchita". Lembro-me que fiquei muito assustada com tanto movimento no Aeroporto porque a casa dos meus pais era bem perto deste.Mas jamais esquecerei daqueles Homens fardados que de arma em punho e cravo ao peito devolveram a Liberdade a todos os seus Irmãos Portugueses (e não foi preciso uma força militar Americana eheheheh) fizémo-lo sózinhos e com muita Coragem!!! Por isso gosto tanto de Homens Fardados... aliás é uma das minhas fantasias sexuais... deve ser tão "essitante"... Não precisa de ser Militar... basta vestir a Farda!
Tsunami
Boem , sorry , nao vou comentar , foi tudo muita lindo a liberdade e essas cenas todas , mas não estou para aqui virada heheheh
Já viram que todos os anos somos inundados de filmes, documentários, e afins e que este ano ainda não se viu nada??? Será mesmo assim, ou sou eu que ando distraída?
Essencialmente gostaria que não repetissem o que repetem todos os anos. É um facto. Mas mesmo assim, parece que anda um vazio no ar...
Alo Querida...
25 de Abril, hein?Já vi que tens andado ocupada a comemorar.Vê lá se te lembraste aqui do je...
Não queres aparecer por aqui amanhã? Estás com o telem desligado! (Feia)
:(
um pequeno aparte só para dizer que a explicação do "bicho tão feio e giro" já está disponível...
Oh... Vou já ver!!! 'brigada Paulo!
Também optaste por falar do 25 de Abril contando uma peripécia lateral. Mas é de historietas como a tua ou a minha, ou mais algumas que por esses blogues li, que se faz a grande homenagem. Não repetindo à exaustão clichés que já chateiam!
Jinhos
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